Friday, February 23, 2018

Fragmento 902

Mas que grande merda…, disse Rochefort, enquanto contemplava as casas que ardiam, bem como inalava o cheiro a esterco queimado que se embrenhava no ar. Os outros olharam-no sem dizer nada senão com os olhos, que concordavam com ele. Mestre Roang caminhou então direito ao fogo, sem se queimar. Porque não te queimas, perguntaram os outros, Porque sou como o azeite, ardo mas só queimo a altas temperaturas, E não te misturas com a água também, Sim e também não apago o fogo, como a água, Mas não o tornas mais forte também, É porque sou só como o azeite, não sou azeite a sério, Podes entrar naquela casa então, ouço um bebé a chorar, Não, porque é muito quente, Não gostas de crianças, Sim, gosto, mas aquela casa arde mais forte, Então mas não és azeite, não aguentas, Acho que não porque alguém me misturou com óleo, senão aguentava, Pois. Lamentaram todos juntos. Talvez até fosse uma bezerra que gritava e não um bebé, isto tomando a liberdade de não considerar uma bezerra um bebé, por não se tratar de um rebento de pessoa. Sim, se calhar é uma bezerra, Rochefort, foste tu a fumar outra vez, deitaste fogo a esta porra toda, Não, não fui, Rod, que pelo cheiro vê-se bem que eu não fumo esta marca, Mas qual marca, isto é o cheiro do mato a arder, o cigarro que o ateia claro que não vai dar aroma ao incêndio todo, Sim mas não tens provas para me culpar, Não estou a culpar, estou a tentar descobrir como é que começou o incêndio, Mestre Roang, o Mestre não ateou o fogo para purificar a aldeia, não, O fogo é morte não purifica, o que às vezes se chama de fogo que purifica é o fogo controlado porque no fundo purificar é controlar-nos por dentro, é a mesma coisa com a água que se usa para purificar, se for uma enchente ou um dilúvio claro que não purifica coisa nenhuma, só estraga, o fogo e a água são iguais, E a terra e o vento, Também, Quem me dera agora uma enchente, Vinha a calhar, sim, Então deixamos arder, ou…, Sim, também arder por cem ou arder por mil, Eu não concordo, não é a mesma coisa, porque é mais fácil reconstruir a aldeia se arder por cem, Mas é mesmo para reconstruir, Ó pá, eu acho que sim, senão ficamos com o quê, Construía-se uma aldeia nova ou se calhar uma vila até, Lá estás tu com a mania da grandeza, onde é que nós temos capacidade para gerir uma vila, Eu acho que consigo, Eu também, Eu não tenho a certeza mas se vocês acham que sim eu devo conseguir ajudar, disse reiji, Vocês estão todos delirantes, Não custa tentar mesmo que seja um delírio, porque antes era entre ter uma aldeia e ter uma vila mas se arder tudo passa a ser entre ter algo ou não ter nada, Mas não podemos construir outra aldeia, Cala-te, vamos construir uma vila, Randolph, e tu, Agora sou Ran’ph, Como queiras, ajudas, Não gosto de tudo a arder mas acho que vou gostar de tudo ardido, Mas depois não temos comida, não queremos morrer à fome, Nem eu, Então ajudas, Sim, que remédio, mas podemos deixar um quintal ardido para mim, Como queiras Randolph, É Ran’ph, Certo, e não terás sido tu a queimar tudo, com essa atitude fico desconfiado, Não, porque só depois de ver tudo a arder é que percebi que queria ver tudo ardido, antes não sabia, Foi uma epifania, Não é bem isso que epifania significa, Estou a falar no sentido de linguagem corrente, Sim então se calhar foi uma, Mas olha, quem queimou não interessa, o que interessa é que ardeu e não vale a pena chorar sobre a horta queimada. Então reiji fez o projecto para uma vila bem compostinha com canalização eficiente, bons acessos, robusta contra o fogo e contra as enchentes também, um quintal ardido para Randolph e os outros ajudaram, Rod a dar instruções, Mestre Roang e Randolph a acartar o cimento e Rochefort também, enquanto o terceiro barafustava que não era pago para aquilo, Pois não Rochefort, nenhum de nós o é, mas o cimento tem que chegar ao destino. Demorou mas acho que já acabámos, Sim, falta só acabar este telhado, Como é que vais lá chegar, Não sei, não pensei que fosse tão alto, Faz-se a direito tipo terraço, Pode ser, Deixa-me ver, olha daqui de cima mais parece uma cidade do que uma vila, Não parece nada, olha tens razão, por acaso até parece, E agora, Deitamos tudo abaixo outra vez, Acho que não é preciso, Então o que é que fazemos com uma cidade vamos ter que chamar mais gente para ajudar a gerir, Não eu acho que está bom assim não é uma cidade muito grande, reiji tu sabias disto, Entusiasmei-me mas na minha cabeça era uma vila ainda só depois na prática é que saiu cidade, nunca tinha feito uma coisa tão grande então era difícil de imaginar o resultado, Olha, pronto, fica assim, Rochefort larga o isqueiro, Nem que quisesse isto ardia, é cidade, Sim mas não é seguro e não vale a pena correr riscos, Saudades do fogo, mas que grande merda...

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