Friday, February 23, 2018

Fragmento 815

Que comoção é esta, quem é que perturba a minha meditação, perguntou o Mestre Roang. Vai ali o Gerôncio de Lima, o maior poeta da cidade, Maior poeta, quem o nomeou, A sua obra nomeou-o, tem a obra mais larga, Mas não a mais profunda, Isso é subjectivo, quem diz o maior diz o mais largo apenas, Rochefort, tu que tens bons olhos, o que me podes dizer dele, É de facto um poeta dado à divulgação, escreveu um poema em cada retrete pública desta cidade, nem uma sobra, todos assinados por baixo, Na retrete mesmo ou na parede, Na parede claro, geralmente na porta, mas depende da conveniência do cagatório em questão, começou por todas as retretes da sua faculdade e diz que depois da cidade, o objectivo é escrever um poema em cada retrete do país! Absolutamente impraticável, proclamou Randolph de dentro do escritório. Finges sempre que não estás a ouvir mas estás, Eu não finjo nada, só há assuntos que não me interessam, E este assunto de merda é do teu interesse, Não, mas sinto-me pessoalmente ofendido pelo ridículo da situação, ninguém pode escrever em todas as retretes do país num só tempo de vida, Não é impossível, Teoricamente não, mas se pensarmos bem nenhum poeta escreveu tantos poemas na sua vida, Quantas retretes pensas que este país tem, Muitas, E quantos poemas julgas que o poeta mais prolífero da história escreveu, Não tantos, Ficarias surpreendido, E ninguém os apaga, Não, é património municipal, Mas diz-me, Rochefort, o que podes dizer sobre a poesia dele, tem qualidade, tem alma, é criativa, harmónica, rimada, ritmada, diz-me dela. Rochefort esboçou meio-sorriso que bem lhe conheciam, o Mestre Roang que não podia ver ouviu-o a sorrir e a dizer, É com cada barrote...

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