Friday, August 10, 2018

Fragmento 411

Que cara é essa, parece que viste um fantasma, Pior, um demónio, Impossível, demónios não existem, Enganas-te, olha à tua volta, somos todos demónios, Demónios figurativos existem mas não reais, foi um demónio figurativo que viste, Este parecia real, os seus olhos eram fogo e os dentes penetravam os lábios, Vi-o uma vez também, há uns tempos atrás, Então acreditas nele, Se acredito, foi a visão mais assustadora da minha vida, o seu cabelo eram cobras finas como fios de esparguete que se moviam de forma viscosa e o hálito que saía da sua boca entreaberta deu-me tal repugnância que tive cólicas durante dois meses, Não terás comido algo que te fez mal, Não metam a minha dieta ao barulho seus indecentes, E tu, também o viste, Eu não, mas por vezes ouço ruidos aterradores, estará relacionado, Só pode estar, afinal de contas que tipo de criatura pode fazer ruídos aterradores senão um demónio com dentes de besta, olhos flamejantes, cabelos serpentinos e hálito de fel. reiji sorriu e guiou-os para a modesta cabana onde o Mestre Roang costumava meditar. Quando entraram silenciosamente, viram o fogo que substituia os seus olhos cegos, o viperino penteado no lugar da sua careca, bem como as dentuças demoníacas como as de um javali de onde um cheiro insuportável pingava. Assim que reiji chamou o seu nome docemente, a máscara e a cabeleira caíram mostrando a face paciente, benévola e sempre pacífica do Mestre, os olhos sorriam brancos. Quem me perturba do meu precioso sono, gentilmente se junte a mim para uma taça de chá...

Fragmento 886

Vamos à água ou não vamos à água, O reiji não vai com certeza, E tu Rochefort, Não sei, é fria, Não é fria nem quente é como tudo na vida, Relativo, Não, insignificante, Pois bem eu estou com vontade de ir, Pois idemos, O reiji toma conta das coisas, Evidentemente, Falta o protector, Não é preciso Randolph, É para mim, de quem o sol não é amigo, Relações mútuas são relações mútuas, Vamos nós andando. E foram. Randolph se lhes juntou eventualmente, devidamente untado. Quando voltaram, todos os seus pertences haviam desaparecido. Então reiji, onde tinhas a cabeça, O corpo ficou, mas a cabeça convosco foi, E agora voltamos a casa depenados, Depenadinhos...

Fragmento 211

Alguém sabe do Rochefort, Não, porquê, achas que anda a fazer das dele, Nada disso Randolph, não desta vez, apenas precisava de algo dele, Ele, há algo que ele te possa dar que mais ninguém possa, É como os relógios parados uma vez por dia, Não confio em gente com nome de queijo, sinto muito, Mestre Roang viu o Rochefort, Com estes olhos não, certamente, Perdão, Não há necessidade, compreendi-te, não, não o ouvi, cheirei nem senti, Porra, por uma vez que precisava dele, reiji, lembras-te da última vez que viste o Rochefort, Sim, foi pouco depois da guerra bósnio-canadiana, antes de o trancarmos na masmorra, Há quanto tempo foi isso, Uns meses, penso que menos de meio ano, talvez um pouco mais, Ninguém o vê desde aí, alguém sabe dele, não me digam que..., É bem provável, eu pelo menos não me lembrei mais, E alguém lhe deu de comer este tempo todo, Não me passou pela cabeça, Pobre coitado, deixámo-lo morrer sozinho e abandonado, Ora, nada de bom se perdeu, Como podes ser tão cruel, é humano como nós, Seria, Fazia parte de nós, Fez, já passou. Rod correu à masmorra. Quando abriu a porta, Rochefort dormia escancarado como uma estrela do mar no chão rijo de pedra, magro como um palito, como aliás sempre fora. As paredes brancas estavam cobertas de poemas de cima abaixo em toda a sua extensão. Rochefort, estás vivo, como é possível, Escrevi escrevi e escrevi, Viveste das tuas reservas de poesia, esgotaste-as para poder sobreviver estes anos todos, Não, quanto mais escrevia mais poemas surgiam, como um poço de água em tempo de chuva, agora sou mais poesia do que homem, Perdoa-nos, do que precisas, um cigarro, um copo de vinho, uma mulher, Preciso de uma parede maior...

Tuesday, May 29, 2018

Fragmento 89

O reiji já chegou, Não, Onde está ele, Deve estar ainda a dormir, Queres que o chame, Não, ele é novo demais para estas coisas, Olha, chegou, Pois bem, vamos dar por aberta à sessão mensal de debate, hoje voltaremos ao tema de que forma podemos fazer deste mundo um lugar melhor, Essa pergunta nunca terá resposta, Isso em si é uma resposta, Não é uma resposta, é uma conclusão, Mas serve de resposta, Não, Mais ideias, opiniões, O mundo é feio deixem-no arder, Cala-te Rochefort, Não me calo, Deixa ouvir o Mestre Roang, Não é preciso fazer nada, o mundo é belo, deixem os caminhos naturais levar o seu curso, Ninguém tem ideias, portanto. reiji levantou-se. Podemos pedir às pessoas que pisquem os olhos ao contrário, isto é, que andem de olhos fechados e os abram apenas por breves instantes de poucos em poucos segundos, Mas dessa forma não veremos mais do que fotografias, Verdade, um mundo a um quarto de frame por segundo é o que sugiro, Absolutamente impraticável, Com o tempo até pode ser menos, com prática abriremos os olhos só duas ou três vezes por minuto, usaremos menos a visão e mais os outros sentidos e o instinto também, Queres fazer da vida um jogo da memória, então, Eu gosto de jogos, mas não, sabem que noventa por cento da informação no nosso cérebro vem da visão, É, de facto, correcto, A ideia seria reduzi-la até usarmos todos os sentidos por igual, Isso é diminuir as vantagens que temos, é pôr-nos em desvantagem, absolutamente impraticável, Tendo a concordar, como vamos educar as pessoas a tal feito, afinal de contas piscar os olhos é um impulso biológico inato, Também o é sorrir quando se está feliz e chorar quando se está triste, ou assim eu o pensava...

Wednesday, May 9, 2018

Fragmento 499

Convicção, E este, Elegância, A seguir, Lucidez, Ao lado, Integridade, autenticidade talvez, ou rectidão, Falta um, Empatia, Agora carrega no botão, Complacência, putridão, mania, decadência, apatia, Não chegaste a carregar no botão reiji, como podes ver coisas diferentes, Volta atrás, Atrás aonde, já disse que não mudaste nada, Há algo que mudou, Garanto-te que nada, Um brilho. Rochefort contemplou atentamente a imagem. O que há aqui, O reiji está avariado, vê brilhos que não existem, Ou falta de brilhos que existem, As faltas não se vêem, vê-se o buraco onde elas não estão, Mas sentem-se sinestesicamente, como uma comichão na perna que se coça no pé, De onde tiraste essa ideia, De um poema que li, Tu e os teus poemas, afinal o que estão a fazer, Um teste de empatia através da análise de diversas expressões faciais que surgem no ecrã, Rochefort, é um espelho...

Monday, April 30, 2018

Fragmento 185

No quilómetro trinta e cinco verificamos uma altitude de mil e sessenta, hehe, e nove quilómetros, sendo que quarenta e três quilómetros mais tarde, no quilómetro numero setenta e oito, a altitude corresponde a mil e quatrocentos e dois quilómetros, apontou Rochefort. Não é assim, não faz sentido, a única interpretação possível é que a imagem do nosso chis no trigésimo quinto valor discreto é de mil e seis e nove unidades arbitrárias, concluindo em mil quatrocentos e duas no septuagésimo oitavo, Não entendo o porquê de arbitrar o que é concreto, Mas como, como podemos considerar concreto o que não sabemos, e certamente aquilo de que falamos não se pode medir em unidades de distância, Como não, só se for tempo, Certamente, é tempo no eixo dos chis, mas não no dos ipselones, Então se não é distância é o quê, suor em milímetro cúbicos por unidade de tempo, batimentos cardíacos, energia gasta em joules, Já está mais perto de fazer sentido, afinal de contas é para isso que aqui estamos, interpretar este gráficos de que pouco sabemos senão que corresponde ao nosso stress colectivo ao longo do período de três meses, Então, não estamos a analisar a etapa da montanha da Tour de France...

Fragmento 937

Debatamos hoje o projecto do eremitério, Não estava já arrumado esse assunto, Têm vindo a ser estudadas novas vantagens, aqui e ali, Como sempre, nestes assuntos mais científicos, a questão é se dá em algo, E há-de dar, verão, Com este frio, Ignorando e seguindo em frente. Rod olhou-os um a um. Randolph, Certamente, sou o primeiro a apoiar a ideia, só me deparo com vantagens, nomeadamente um aumento na produtividade, Mestre Roang, Não seria a primeira vez na minha extensa vida, E valeu a pena, Cada segundo, mas chegará a um fim, bem espero que imaginem, Não vejo porquês de procurar fins em princípios, Pois bem, é sábio, Não tanto como o Mestre, nunca, Rochefort, O que tenho a ganhar, Ninguém para te maçar a cabeça, infinitas horas para expressar a criatividade, Não me estais a demagogar, Não quando firmemente acreditamos no que te dizemos, a demagogia nasce apenas da intenção, Será, continuo não-convencido, Podes acordar às horas da tarde que te aprouverem, como eremita, Pois bem, quando começamos, Espera, reiji, Encolho os ombros, disse, com um encolher de ombros. Partiram no mesmo dia, o eremitério era escuro, húmido e acolhedor. Sabem, disse Rochefort, o que faltava aqui era meia dúzia de moças viçosas...